Destino - Martin Kaul e o seu filho de dois anos, chamado Rio, acabaram em supermercado, em Copacabana
Foto: Martin Kaul
Destino - Martin Kaul e o seu filho de dois anos, chamado Rio, acabaram em supermercado, em Copacabana - Martin Kaul
RIO - Minha viagem de descobrimento começou numa quarta-feira. Eu queria ver o Rio de cima, deixar todos os problemas lá embaixo e respirar o ar da Cidade Maravilhosa, perto do céu. Em resumo: queria visitar o Pão de Açúcar. Só que o lugar aonde cheguei não era um morro lindo e panorâmico, mas um supermercado. E aí compreendi: será uma maravilha descobrir o Rio ? porque ele sempre tem uma surpresa para o gringo. Será que a cidade está pronta para receber pessoas de todos os lugares do mundo? Vamos fazer o teste.
Por um dia, parei de falar português na rua. Minha viagem começou na Avenida Nossa Senhora da Copacabana. É nesse bairro que eu pago o precinho doce de R$ 10 mil por seis semanas em um apartamento pequeno. Alguém me disse que era um bom preço. Acredita?
Perguntei a uma vendedora de rua como chegar ao Pão de Açúcar, mas ela não entendeu minha pergunta. Na padaria também ninguém me entendeu. Finalmente, uma senhora muita educada me mostrou o caminho. Era só continuar pela rua mesmo, e no lado esquerdo. Logo encontraria o Pão de Açúcar. Achei estranho aquilo ? será que é tão perto? Uns 300 metros adiante, vi o símbolo que eu queria. Só que não era o morro, mas o supermercado. Não era bem aquilo que eu queria ? mas gostei muito da ideia.
Comprei uma garrafa de água para o meu filho. Meu filho tem dois anos, o nome dele é Rio. Gostei muito de ver que havia uma fila na caixa só para atender idosos, deficientes e pais com crianças de colo. Não vejo isso nos mercados em Berlim, onde moro. Fiquei esperando 12 minutos para comprar minha água. No final, a caixa pediu o meu CPF. Mas o que é isso? Vocês dão o número único para pagar impostos para qualquer pessoa que pergunta? Que estranho... Nós, lá na Alemanha, cuidamos muito de nossos dados.
Bom, vamos ao Pão de Açúcar, então. O morro. Dessa vez eu tinha um boa ideia: vou perguntar numa loja das Havaianas ? é uma marca internacional, eles devem falar inglês. Sim, o vendedor falou inglês, mas era muito antipático, porque eu não queria comprar nada. Ele disse que eu poderia pegar qualquer ônibus passando que tivesse escrito ?Pão de Açúcar?, mas no ponto não tinha nenhum assim. Esperei dez minutos e perguntei a outra pessoa:
? Excuse me. Pão de Açúcar????
Agora foi bom: ficamos seis minutos conversando até eu entender que era para pegar um ônibus que vai para a Urca ? uma informação útil. Só que naquele ponto também não parou nenhum ônibus para a Urca. Caminhei para o ponto seguinte, e lá também não. Caminhei até mais um outro ponto. Falei com mais sete pessoas. Finalmente chegou meu ônibus, linha 511. Eu estava perto do meu objetivo.
Gosto de andar de ônibus. Nele, eu encontro a cidade, o povo, a realidade da cidadde. Com o meu filho dormindo no colo, comecei a me lembrar de todas as etapas e dificuldades aqui no Rio: o dia em que cheguei ao aeroporto e peguei o elevador. Um deles estava quebrado, mas no outro havia uma mulher apertando os botões. Achei aquilo um serviço muito estranho: será que tem gente que não sabe usar um elevador? Ainda mais com tão poucas opções? Coitada da mulher!
Também fiquei pensando nos dois elevadores que cada prédio tem. O social e o de serviço. Eu nunca sei quando eu posso usar o elevador social e isso me faz sentir muito mal. Por que, cariocas, vocês ficam usando dois elevadores? Não estamos vivendo em uma sociedade só?
Ainda não saímos da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Na minha frente, um senhor que não gosta do jeito com que o motorista está dirigindo. Verdade: é o motorista mais lento que conheci. ?Anda, rapaz, anda! Eu não posso ficar neste ônibus até de noite?.
Lembro de todos os taxistas do Rio. Nas primeiras duas vezes em que peguei um táxi, não paguei o preço total porque eu tinha certeza que eles estavam me roubando. Depois, quando verifiquei o caminho, descobri que eles estavam certos. Nenhuma vez aqui no Rio algum taxista tentou me roubar. Até mesmo quando eu não falei nenhuma palavra em português, eles tentarem conversar comigo e me levaram certinho. Já em Berlim, tenta perguntar algo a um motorista de ônibus! Eles já não falam com os alemães, imagina com os estrangeiros...
Até o Pão de Açúcar, uma hora e meia se passou, mas foi uma viagem linda. Paguei R$ 62 e subi o morro com japoneses. Finalmente, um dos maiores símbolos do Rio. Quase não tinha brasileiros lá. Depois, desci para comer uma picanha num bar na praia da Urca. A melhor da minha vida. Quando um dia acaba assim, você sabe: são as coisas pequenas que enriquecem a vida. O Rio está pronto para receber o mundo.