Toni Reis vive há 20 anos com o marido e desde 2005 tenta conseguir na Justiça o direito de, junto com seu companheiro, adotar uma criança. Enfrentou todas as etapas do rígido processo de adoção e atualmente seu processo está aguardando parecer do Superior Tribunal de Justiça. Ele é um dos muitos homossexuais que celebraram, na terça-feira (27), a decisão do STJ a favor de um casal de lésbicas da cidade de Bagé (RS).
O Superior Tribunal de Justiça decidiu manter o registro de adoção de duas crianças em nome do casal de mulheres, que havia obtido autorização para adotar em 2006 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ? decisão contestada pelo Ministério Público Federal do mesmo estado, que pedia a anulação do registro.
?Essa decisão abriu um leque de esperança para nós?, afirmou Reis, que é presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). ?Estamos muito felizes. Dá um alento perceber que as pessoas sabem que justiça significa direitos iguais para todos.?
O psicólogo Eduardo Honorato também comemorou a decisão judicial. ?Vibrei muito quando soube. Meu companheiro me ligou para contar, pois estávamos acompanhando o caso de perto, e fiquei muito feliz. Parei o carro e gritei mais?, lembra.
Honorato, que vive com o companheiro há três anos, é o tutor legal de um menino de 2 anos, que pretende adotar. ?Meu processo de adoção ainda está em fase inicial, de recolhimento de informações. Agora me sinto seguro para entrar com a ação.? Para ele, a decisão do STJ é o reconhecimento de que a instituição familiar pode, sim, ser formada por casais homossexuais.
Segundo ele, a decisão dá segurança também para as próprias crianças, que em vez de terem apenas um dos pais adotivos no registro poderão ter os dois e, portanto, receber benefícios das duas partes. ?Quero que meu filho seja registrado no meu nome e no do meu companheiro. Ele chama nós dois de papai, por que ter apenas um de nós na certidão??, questiona.
Com o processo de adoção mais avançado, o funcionário público Paulo Reis dos Santos espera pelo momento em que poderá adotar um filho ao lado do companheiro com quem vive há 12 anos ? direito já concedido ao casal pela Justiça.
?Passamos por todo o processo, pela psicóloga e pela assistente social. Em setembro de 2009 recebemos um primeiro parecer negativo. A decisão dizia que a família tem que ser formada por homem e mulher?, ele conta. Mas a primeira derrota não foi empecilho para Santos, que recorreu da decisão, reuniu mais documentos mostrando que tinha condições de criar um filho, e finalmente convenceu a Justiça.
Devidamente incluído no Cadastro Nacional de Adoção, Santos aguarda a chegada do tão sonhado filho. E também comemorou a decisão do STJ a favor das mães de Bagé. ?Foi muito importante, pois chamou a atenção da mídia e criou um debate sobre o assunto. Nos abrigos há tantas crianças sem família, e existem casais homoafetivos dispostos a adotá-las. A Justiça no Brasil é hetero, há uma homofobia institucionalizada?, critica.
Precedente jurídico
A decisão do Superior Tribunal de Justiça cria um precedente jurídico que permitirá aos casais homossexuais abandonar a prática usada atualmente de adoção individual para evitar problemas legais. Para a advogada Adriana Galvão, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e parte do grupo de estudos da instituição sobre a diversidade sexual, o parecer demonstra um avanço jurídico e também social.
?Foi uma interpretação nova. O STJ mostrou que pode quebrar paradigmas. Demonstrou que o poder judiciário está tentando abrir sua visão para a nossa realidade social, a fim de garantir os direitos das pessoas.?
Segundo ela, com a decisão, o STJ demonstra que, como instância máxima, tem uma postura consolidada. E isso pode mostrar para outros tribunais qual a leitura que é feita pelo órgão.
?Claro que cada caso é um caso, e tem ser analisado separadamente. Há muitos requisitos estabelecidos pela lei que precisam ser cumpridos em um pedido de adoção. Independentemente da orientação sexual do casal.?
Segundo a assessoria do STJ, o Ministério Público do Rio Grande do Sul ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso haja argumento constitucional.