Lilia Cabral desceu do salto. Trocou a roupa chique pelo macacão, o perfume pela graxa, a maquiagem pela cara limpa... Não faz mais as unhas nem o cabelo e até bigode ela deixou crescer. Tudo pela personagem, a humilde e batalhadora Griselda de Fina Estampa, novela de Aguinaldo Silva que está no ar só há duas semanas e já caiu no gosto do público. "O artista vive dos personagens que faz", afirma a atriz, agora conhecida como Pereirão. Só que uma reviravolta mudará completamente a vida dela. Griselda ganhará R$ 30 milhões na loteria e, a partir daí, tudo será diferente. Aos 54 anos e 30 de carreira, Lilia defende sua primeira protagonista, sem se deslumbrar. Muda alguma coisa ser protagonista?
Não muda nada! A responsabilidade é a mesma. Aprendi com muitos protagonistas, Eva Wilma, Gloria Menezes, Regina Duarte, atores jovens e tarimbados. Não sou o carro-chefe, não sou a melhor nem a primeira. Como protagonista tenho a obrigação de estabelecer um clima de harmonia na equipe, acreditar que todos nós juntos estamos contando essa história. Não depende de um ou dois, depende de todos para ser sucesso. É lógico que me sinto envaidecida. Afinal de contas, o autor acreditou, fez questão e isso não tem preço que pague. É muito importante para minha profissão, mas não posso desmontar toda a história que eu fiz até aqui. Agora, se eu sentir que a novela é vitoriosa, não é da protagonista, é de todos que se comprometeram a contá-la. Achou inusitado fazer uma "mocinha" de meia-idade?
Ela não tem nada de moça (risos). É uma mulher madura, tem entre 45, 50 anos. É mocinha porque é a protagonista. Gostaria de chegar ao final da novela e ter a sensação de que o posto de heroína foi conquistado, porque nos jornais os grandes vilões ganham sempre e a população é que sofre. Então, de repente, vencer com qualidade, filosofia, e não com histórias da carochinha vai ser ótimo. A Griselda não tem compromisso com a beleza. E você, quais são os seus cuidados?
São os básicos que toda mulher tem, né? Ser limpinha (risos). Meu compromisso é, lógico, com a estética. Não quero engordar, não bebo, não fumo, cuido da minha saúde, tenho uma genética muito boa de família. Nunca fiz plástica, nenhuma intervenção cirúrgica nem botox. Acho que me visto de forma adequada, sem exageros. Não gosto de joias muito chamativas. Dentro de uma simplicidade, às vezes, a elegância é o comportamento ideal, principalmente pra gente que é vista em qualquer lugar. Uma vez, levei meu cachorro ao pet shop, estava de chinelo, vestidinho, mas levou três segundos para o paparazzo me colocar na derrocada. Você é a favor da plástica?
Em caso de necessidade, sou sim. Mas enquanto eu puder, vou evitar. Até que ponto para o artista que vive da imagem, da expressão, a plástica vale a pena?
Acho que o artista vive dos personagens que faz. Se ele parte da imagem, por muitas vezes, vai deixar de fazer personagens maravilhosos. O compromisso maior do ator é saber humanizar o personagem que teve a sorte de fazer. Ninguém imaginava que eu pudesse fazer a Tereza de Viver a Vida (elegante), porque fiz tantas personagens de classe média. Foi um desafio para mim. Assim como a Griselda, que não tem nada na cara, ao contrário, tem bigode (risos). E isso tudo é verdadeiro. Pelo menos, eu tento!. O que é mais difícil: se equilibrar no salto da Tereza, toda chique, ou colocar o macacão da Griselda?
É muito mais difícil colocar o macacão. Por tudo! Porque muita gente na Internet vai debochar. Não vai olhar como trabalho. Mas se ela é humilhada, a gente aproveita e usa como laboratório. A Griselda é humilde, mas é forte para enfrentar as adversidades?
É disso que eu gosto nela. Não gosto daquela humilde que vive se sentindo coitada. Ela tem personalidade. Com o filho fala mesmo: "a faculdade eu banco, o chope não banco mais. Se você tem vergonha de mim, então tem vergonha do meu dinheiro". Ela não é de abaixar a cabeça. Vai passar uma lição de ética maior do que as pessoas pensam. Você está mostrando a realidade de muitas mulheres brasileiras, que assumem a família sozinha. Como imagina que vai contribuir com elas?
Espero que seja da forma mais saudável possível. Apesar de a personagem sofrer, acho que pode ser leve, alegre. Que essas mulheres possam se ver e que isso seja um olhar com perspectiva de vida, não de derrota. Ela vai ganhar na loteria. E o caráter vai mudar?
Isso que vai ser bacana de discutir. O dinheiro traz muita coisa, mas em vez de ser feliz, muitas vezes você acaba se deprimindo. Acha a história da personagem da Cássia Kis Magro, em Morde & Assopra, parecida com a da Griselda?
A história da novela que a Cássia faz não é a história de Fina Estampa. A personagem dela tem uma linha parecida, o trabalho da Cássia é brilhante, eu amo, mas a história é outra e vai tomar outro caminho. E a parceria com Caio Castro (Antenor, filho dela na novela)?
O Caio está excelente. No fim da cena, ele brinca: "Foi bom, mãe?". Estou muito feliz com a minha família, meu núcleo, que é extremamente talentoso. A Sophie Charlotte é ótima, o Malvino eu já conhecia, mas nunca tinha contracenado. É tão bom estar ao lado de jovens que não têm preocupação com a aparência. Estão lá para defender seus personagens. Fora a novela, a série Divã, que foi um grande sucesso, volta ano que vem?
Todos dizem que querem que volte, mas vamos esperar. Eu não sei se gostaria. Já fiz muito Divã: no teatro, no cinema e na TV. Acho que está de bom tamanho. A minha vontade é sempre andar para frente, fazer coisas novas. Mas se der vontade, por que não?. É verdade que você vai ser a última Helena de Manoel Carlos?
Vou responder com a pergunta do Maneco: "Se a Lilia é a Helena, quem vai ser a minha antagonista?". Prefiro fazer a antagonista mesmo (risos).