Valter Hugo Mãe é um dos mais prestigiados autores portugueses da atualidade. Ele veio ao Piauí participar da Balada Literária e Festival de Teatro Lusófono (FestLuso 2019). Trouxe para debate o tema 'Os trabalhadores da palavra' em momento bastante disputado pelo público.
O autor tem obras editadas em diversos países, com destaque para o Brasil, Alemanha, Espanha e França. Já escreveu seis romances, além de poemas e crônicas. São mais de trinta livros publicados. Agraciado com os prêmios José Saramago, Portugal Telecom de melhor romance e Grande Prêmio Portugal Telecom (2012), ele recebeu elogios de José Saramago, ganhador do único prêmio Nobel da língua portuguesa, que o definiu como um 'tsunami estilístico'.
Valter Hugo Lemos, que é seu nome de batismo, é editor, cantor, artista plástico, mas foi como escritor que seu nome ganhou o mundo e conquistou leitores principalmente de países de língua portuguesa. Nascido em Angola, desde a infância, ele vive em Portugal.
Em conversa com o Jornal Meio Norte ele falou sobre sua produção, solidão, e ainda sobre a próxima obra, que deve ser ambientada no Brasil, mais especificamente na Amazônia.
Jornal Meio Norte: Seus livros trazem questões duras e um lado mais instável da humanidade, mas isso vem acompanhado de uma escrita sensível, humana e uma prosa cheia de poesia, isso tudo de forma bastante equilibrada. Seria esse equilíbrio o responsável pelo sucesso das suas obras?
Valter Hugo Mãe: Nunca vou entender ao certo. Sei que escrevo por profunda necessidade e por querer meditar acerca do que é existir, pensar. Julgo que os meus livros são frontais e guardam esperança. Podem, por isso, expor muito do que é mais difícil mas, ao mesmo tempo, encontrar modos de construção. Modos de beleza.
JMN: Você escreve poesia, prosa, literatura infantil, todas com maestria. Por qual delas você passeia mais à vontade?
VHM: Obrigado. São os dias que escolhem. Em alguns dias sirvo para a poesia, outros para a ficção, outros para poesia ou até para nada. Não há muito como forcar demasiado. Posso esperar de um dia um certo trabalho, mas tantas vezes acontece de não funcionar. Estou sempre à mercê do esforço e de uma dádiva.
JMN: Em entrevista ao El País, neste ano, você disse que a solidão, temática presente em suas obras, é uma condição existencial e que há um ponto em que estaremos sempre sozinhos. Qual o papel da arte em meio a essa condição?
VHM: Julgo que uso a arte para reduzir distâncias. A Literatura serve para auscultar quem são os outros, como são, enquanto tira medidas a quem sou e me pode também mostrar. Através dos livros poderemos ponderar a elaboração mais complexa do que sabemos comunicar. Os livros são discursos maturados. Ao serem lidos, operam como diálogos maturados. Muito além do que somos capazes na oralidade.
JMN: Em O Filho de Mil Homens, seu primeiro livro após a tetralogia das minúsculas, seu nome passa a ser grafado com iniciais maiúsculas. Sobre isso, você disse que se sentia reduzido a apenas o escritor das minúsculas e não gostaria de ser visto assim a vida inteira. Essa mudança foi apenas na grafia ou você destacaria algo maior nestes últimos anos, desde o lançamento de O Filho de Mil Homens?
VHM: Criei certa divergência em relação aos livros anteriores. Comecei um périplo por espaços que não são identificados com Portugal. A partir de O Filho de Mil Homens importa-me deixar a portugalidade e experimentar outras mentalidades. Ainda me interessa. Voltarei às questões do meu país, mas é-me um desafio grato procurar a experiência de outras culturas.
JMN: Ainda em O Filho de Mil Homens, os principais personagens são colocados à margem pelos vizinhos por serem "homens maricas" ou "mulheres enjeitadas". No entanto, em uma passagem do livro há a seguinte frase "Ser o que se pode é a felicidade". Que lição você pode nos deixar sobre isso?
VHM: Esse livro é uma obstinada pesquisa acerca da felicidade. E etendo que nenhuma felicidade abdica da consciência da tristeza. Não é possível que alcancemos um equilíbrio grato na vida sem lidarmos com nossas fracturas, nossas frustrações, nossas perdas e incapacidades. A felicidade possível é a única felicidade a que acedemos. Uma que nos apazigua com quem somos, sem nos esconder coisa alguma, mas integrando. A felicidade possível, sim, integra a inevitável tristeza.
JMN: Você já deixou claro em várias ocasiões o seu amor pelo Brasil e o desejo de escrever algo sobre o país. Em que fase está este sonho, já começou a ser passado para o papel?
VHM: Sim. Se não entrar em pânico, o próximo romance será passado numa ilha da Amazônia. É o texto em que trabalho agora. Justamente agora.
JMN: Ainda na condição de um apaixonado pelo Brasil, como você enxerga o atual momento sociopolítico pelo qual o país passa?
VHM: Com espanto. Ainda que mil teorias expliquem, pouco há como entender esta opção. Sou avesso a autoritarismos. À Esquerda ou à Direita. Uma democracia madura é lugar de inclusão e respeito. Não é lugar de discriminação, incitação ao ódio e à violência.
Por Pollyana Carvalho