O grande escritor e jornalista, que modernizou a imprensa brasileira, Odylo Costa, filho, contava uma história dos antigos tempos, do início do século XX, no tempo das intervenções salvacionistas, passada com um interventor do Piauí, violento e autoritário, como eram as autoridades daquela época e naquelas circunstâncias ditatoriais. Num Tribunal do Piauí, seu pai, o desembargador Odylo Costa, foi testemunha da invasão da Corte por um grupo de policiais, que vinha com a ordem do Governo comunicando aos desembargadores que, se concedessem um habeas corpus a um preso que o interventor tinha mandado encarcerar, ele dissolveria o tribunal.
Mesmo sob essa ameaça, a Casa resolveu conceder o habeas corpus. Foi o quanto bastou para que a polícia entrasse no recinto da Corte, caísse de tiros e dissolvesse a sessão.
Contava Odylo que, graças à prudência do seu pai, eles ainda o tiveram vivo por muitos anos, para alegria de toda a família. É que o velho Odylo, sentindo o clima, foi um dos primeiros a retirar-se. Muito mal dera-se um colega seu, retardatário, que saiu correndo, teve sua toga presa na maçaneta de uma porta e, sem olhar para trás, gritava: “Me larga, soldado, que eu votei contra o habeas corpus.” Outro colega, menos prudente, pegou um tiro nas partes pudendas.
Odylo, numa crônica deliciosa para o “Diário de Notícias”, do Rio de Janeiro, contou esse episódio, que já deve ter uns cem anos.
Recordei-me desse fato pensando que isso era um fóssil jurídico da história da magistratura no Brasil. Não é que agora, para perplexidade nacional, um ex-procurador-geral da República diz que foi a uma sessão do STF preparado, com premeditação e bala na agulha, para matar um ministro do Supremo Tribunal Federal. Fato que, graças a Deus, não aconteceu, para a sorte do país, mantendo presente e defendendo os direitos individuais do ministro Gilmar Mendes; e o dr. Janot, tomando tranquilamente seu aperitivo, quando podia, por um gesto de ira, ter ido fazer companhia ao colega Fernandinho Beira-Mar no complexo da Papuda.
E nós nos lembramos do provérbio do rei Salomão, que diz: “Nada existe de novo debaixo do sol.” Mas, certamente, o velho Odylo nunca teve medo da bala dos seus colegas, nem dos representantes da sociedade, função do Ministério Público.
Agora eu acho que, por prudência, como tinha aquele velho magistrado piauiense, não só os juízes, mas também os advogados, devem apegar-se com os santos e com o cumprimento do Estatuto das Armas, exigindo que a Polícia não admita porte de armas nos tribunais e em nenhuma das serventias judiciais, porque, senão, em vez de surgir a Justiça que todos vão buscar, pode-se encontrar a bala, que, em vez da vida, traz a morte.
E a deusa da Justiça, que está à frente dos tribunais com os olhos vedados, deve tirar a venda, porque senão ela pode ser atingida por uma bala perdida.
Odylo Costa, filho, e as relações amorosas com o Piauí
Odylo Costa, filho, nasceu em São Luís do Maranhão, em 14 de dezembro de 1914, mas mal completara cinco anos, veio morar na beira do Parnaíba, primeiro do lado maranhense, depois, defronte, em Teresina, de onde atravessava o rio para férias no Olho d’água da Prata, ou aos domingos na vila fronteira de Flores.
Em 24 de Julho de 1970, quando fez o discurso de recepção a Odylo na Academia Brasileira de Letras, o jornalista, médico, contista, ensaísta Peregrino Júnior traçou o perfil do homenageado de forma brilhante e revelou histórias extraordinárias do nosso poeta, muitas delas passadas de modo marcante no Piauí.
Uma delas foi o amor da vida de Odylo Costa, filho, Nazareth, uma bela moça da cidade de Campo Maior, que gerou não apenas a paixão do poeta, com ela casando-se e tendo união longa e feliz, mas que também motivou a simpatia e admiração dos amigos, que viam no casal um símbolo da felicidade e da doçura.
Esse encanto que Odylo Costa, filho, provocava nos muitos amigos foi a tal ponto que Nazareth foi alvo de um poema escrito por nada menos do que Manuel Bandeira:
“Nossa Senhora me abraçou,
Sorrindo, disfarçada em rara
Terrena forma nordestina.
E a minha alma se iluminou,
Como jamais se iluminara,
Recebendo a bênção divina.”
Drummond fez poema para odylo
Outro amigo fraterno que a Odylo e Nazareth dedicou em vida um poema, foi o nosso poeta maior Carlos Drumond de Andrade:
SONETO DE ODYLO E NAZARETH
De mirante no sítio do Rocio
Odylo vê o mundo – campo largo,
campo-maior, onde se estende o fio
da completa existência, e, suaveamargo,
o fruto de viver se colhe: sabe
a tudo que foi sonho e, ainda sonho,
vige, esperança eterna, que não cabe
no tempo o ser, e o vinho no vidonho.
Odylo e Nazareth, tão irmanados
que um não é sem o outro, na paisagem
de filhos e trabalhos ajustados
ao desígnio de Deus: em clara imagem,
feita de transparência e aberta em flor,
nos dois se grava esta lição: Amor.
Declaração de Guimarães Rosa
Guimarães Rosa, em carta, fez a Odylo essa declaração: “Você escreveu seu livro para o Juízo Final. Você é um dos seis melhores, maiores poetas nossos.”
Também entre os portugueses fez grandes, incontáveis amigos. O seu aprendizado de Portugal “foi um milagre de criação cultural e humana”. Espalhou livros e amigos por todo o velho Portugal. E os críticos, como João Gaspar Simões, Natércia Freire, Helena Cidade Moura, João Maia, José Blanc de Portugal disseram todo o bem que se pode dizer do homem e do escritor. E Vitorino Nemésio mandou-lhe poemas quando ele partiu de regresso do Rio:
Odylo, adeus! Odylo, esperança!
Volta breve! – Volto não!
– Lisboa está uma criança,
É São Luís do Maranhão:
Sobrado no peito,
Mirante no olhar;
Querendo palmeiras dá-se um jeito,
Cada alfacinha um potiguar.
O mais, Odylo, é meu chorar!
Infância entre o Piauí e o Maranhão
Em março de 1930, Maranhão e Piauí ficavam para trás e Odylo Costa, filho, em companhia dos pais, chegou ao Rio de Janeiro, bacharelando-se em Direito, pela Universidade do Brasil, em dezembro de 1933. Desde os 16 anos, porém, já se revelara no jovem maranhense a vocação de jornalista, vocação que, após vagos ensaios provincianos, encontrou seu primeiro abrigo nas colunas do Jornal do Commercio, em 1931, pela mão amiga de Félix Pacheco.
Assim nasceu e viveu sua infância o poeta Odylo Costa, filho – entre o Piauí e o Maranhão. O Piauí frequentou-lhe ternamente a memória e o Maranhão fixou-lhe no espírito e no coração a sua poderosa influência. Aliás, as “águas do norte”, como as denomina o Sr. Sarney, vindo do Piauí, atravessando o Maranhão e atingindo as “matas submersas” do Pará, geram uma cultura singular: a cultura dos homens que conhecem simultaneamente a civilização do couro e a civilização humanística da melhor tradição luso-brasileira. É da fusão maravilhosa dessas influências simultâneas que nasceram para o Brasil esses famosos frutos da dualidade cultural do Piauí – Maranhão, chamados Humberto de Campos, Deolindo Couto, Carvalho Neto, Francisco Pereira da Silva, Martins Napoleão e Odylo Costa, filho – essa estranha flor humana, da Arte, da sensibilidade, do pensamento político e da ação pública.
Todos eles são filhos da fusão ecológica, sociológica e intelectual das duas regiões vizinhas que se completam e enquadram no esforço comum da preparação de homens para o Brasil.
Para ser sistemático e claro, quero dar-vos aqui o itinerário que o Poeta percorreu do nascimento à imortalidade. Quer dizer, a sua ficha de identidade literária e civil.
Estreando na Literatura em 1933, com as páginas de Graça Aranha e Outros Ensaios (que inicialmente se denominava Analecta), obteve nesse mesmo ano o Prêmio Ramos Paz, da Academia. Editou em 1932, também, uma Selecta Cristã, pela Livraria Católica.
Em 1936, em colaboração com Henrique Carstens, publicou o Livro de Poemas de 1935, seguido nove anos mais tarde de um volume intitulado Distrito da Confusão, coletânea de artigos de jornal em que fazia a crítica do regime ditatorial, nos duros dias de 1937. Desde então não publicou mais nenhum livro, dedicando-se quase integralmente ao Jornalismo, onde revelaria espírito de renovação e modernidade. Em toda a sua obra se nos depara por vezes um pouco do perfume, da cor, do sentimento do Vale do Parnaíba, da sua ilha de São Luís, dos campos de Campo Maior. E esse perfume, essa cor, esse sentimento, eu os sinto hoje aqui, contente e feliz! (Por José Osmando)