Martha Mendonça Marisa Cauduro ROBERTA, 36 ANOS Advogada paulistana fotografada em sua casa. Ela levou o namorado ao bordel e agiu como prostituta Espartilho, cinta-liga, máscaras. Eu e dois homens estranhos. Plateia? Não descarto, mas um lugar reservado talvez fosse melhor.
Se houvesse uma segunda mulher, também seria uma bela experiência. Não acho que viraria lésbica por causa disso. Sem falar que o homem entre nós duas ficaria maluco. Uma travessura eu já fiz: um namorado me levou a um prostíbulo. Pedi permissão à dona, pagamos, me vesti a caráter e encenamos.
Ele era meu cliente. Foi inesquecível. Acho que fantasio muito porque sou curiosa. Mas não conto nem para minhas melhores amigas. As pessoas são muito preconceituosas. Já me separei de um homem que não era criativo e não fazia nenhum esforço para realizar minhas fantasias. Ele dizia que não tinha, mas era mentira, claro. Todo mundo tem, mas a maioria esconde.
O relato da paulistana Roberta, de 36 anos, advogada, ilustra uma certeza: o debate público sobre a sexualidade é cada vez mais natural, mas as fantasias sexuais permanecem tabu. Ela própria não quis se identificar. Os desejos secretos misturam prazer e dor, realização e sofrimento e embaraçam quem os experimenta. Por isso é raro ter um vislumbre desse pedaço da intimidade humana.
Agora, porém, escancarou-se uma janela. Durante cinco anos, o psicanalista inglês Brett Kahr pesquisou fantasias sexuais. Coletou tantos relatos que ficou conhecido na Grã-Bretanha como “o homem das 19 mil fantasias sexuais”.
Os depoimentos foram tomados no consultório, nas ruas e pela internet e depois organizados por temas e padrões. No livro Sexo e psique (Editora Best-Seller), que será lançado no Brasil no fim deste mês, Kahr transcreve mil relatos de homens e mulheres. Eles vão de vontades corriqueiras e totalmente realizáveis a transgressões ligadas a incesto, violência, escatologia e necrofilia.
A estrutura lembra o famoso Relatório Hite (de 1976, atualizado em 2004), no qual a sexóloga Shere Hite expôs pela primeira vez e com total crueza os hábitos e as fantasias sexuais das mulheres americanas. Kahr sentou-se “numa ruela escondida de Londres, com um divã e cadeiras aconchegantes” e, como Hite, ouviu o que parecia inconfessável. Seu relato nos leva a um mundo de incestos e perversões que o dramaturgo Nélson Rodrigues, uma espécie de patrono da libido oculta brasileira, reconheceria de imediato como seu, ainda que os devaneios sejam ingleses. “Existem dois tipos de fantasia: aquelas mais festivas, que revelamos com orgulho aos amigos de bar, e outras, que vêm das profundezas de nossa mente, que muitas vezes não revelamos nem aos companheiros ou muito menos a estes”, afirma.
Para começar, explica Kahr, tais fantasias entranhadas na mente não têm nada a ver com o que somos na realidade. Cidadãos pacatos e civilizados podem simular violência sexual com a companheira e passar a vida sem fazer mal a uma mosca. Um homem heterossexual pode se excitar com a ideia de uma relação com outro homem e não por isso ter uma tendência homossexual. Uma mulher independente e bem-sucedida pode se imaginar submissa e humilhada sem deixar de ser o que é. Aquela que se imagina penetrando o marido com um pênis de borracha certamente não gostaria de vê-lo com outro homem. No livro, há uma paciente que fantasia ser torturada por Saddam Hussein, mas Kahr especula que ela fugiria se ele aparecesse perto dela – e não só porque ele está morto.
Kahr perguntou aos pesquisados por que eles fantasiam. As respostas mais comuns foram: as fantasias me ajudam a aliviar o tédio, me animam quando estou deprimido, me deixam fazer sexo com pessoas com quem eu não poderia fazer sexo, me permitem explorar pensamentos e atividades sexuais diferentes, s me ajudam a ficar excitado com meu(minha) parceiro(a).
Alguns dizem que não conseguem se controlar: elas simplesmente surgem. Outros garantem preferir as fantasias ao ato sexual real. Segundo Kahr, homens e mulheres fantasiam igualmente, e a impressão generalizada de que há fantasias genuinamente femininas ou masculinas não se confirmou em seu trabalho. A publicitária mineira Carla, de 29 anos, acredita, porém, que, para as mulheres, as fantasias são ainda mais importantes. Não ficamos excitadas de forma tão rápida e prática quanto os homens. Falar sobre isso, inventar situações na hora do sexo é sempre bom. Já transei usando apenas botas, criando um clima sensual.
Também fantasio sobre lugares públicos, como o elevador, a praia. Pensar nisso funciona como uma bela preliminar. Algumas fantasias existem desde sempre, mas os tempos modernos trouxeram – além de liberdade de praticá-las – novos ingredientes para a imaginação. Um deles é o sexo virtual. Um grande número de pessoas pesquisadas por Kahr disse se excitar mais com a sugestão do sexo pela internet, por meio de texto ou vídeo, do que com o contato físico. Outra inovação é a diversidade de celebridades que aparecem nas fantasias dos britânicos.
Da realeza aos usuais Brad Pitt e Angelina Jolie, eles povoam a imaginação sexual dos entrevistados – mas numa frequência menor que o volume de informações que temos sobre eles sugeriria. A colega de trabalho ou o vizinho estão mais presentes nas fantasias que qualquer famoso. Ou a família, como no caso do dentista carioca Fábio, de 41 anos, casado há sete: Penso sempre em ter relações com minha cunhada. Fazer sexo com a irmã da própria mulher deve remontar a alguma ascendência primata, em que um único macho alfa copulava com as fêmeas do bando. Como não dá para realizar, me satisfaço vendo furtivamente pedacinhos daquela moça proibida entre camisolas larguinhas num domingo de manhã. Já dá o que pensar.
A impossibilidade engrandece a fantasia. É o que diz a sexóloga carioca Regina Navarro Lins, que trabalha com o tema em suas pesquisas pela internet: “O conceito de fantasia é extremamente amplo. Há quem considere fantasia aquilo que não pode passar do desejo. Outros correm atrás da realização”. Ela diz que a fantasia do momento é o sexo a três. Homens preferem com duas parceiras. Mulheres gostariam de experimentar variações. “Na pesquisa que fiz com 1.634 internautas, 80% disseram que fantasiam com o ménage à trois. E quase 30% já haviam realizado, o que é um número bem alto”, diz. Num dos últimos capítulos do livro, Kahr responde a perguntas práticas.
As fantasias devem ser compartilhadas? Seria recomendável encenar ou realizar as fantasias com nossos parceiros? A tudo, afirma que não há respostas definitivas. “Não há limites para o que podemos imaginar e desejar no campo sexual”, diz. O psicanalista diz que desbravar o tema foi para ele um verdadeiro trabalho de antropologia: “Foi como se eu esbarrasse numa tribo distante e isolada, esperando que, através da minha jornada de pesquisas, eu chegasse a uma ideia do que constitui a sexualidade humana. Mas, se as fantasias são boas ou más, posso dizer apenas que podem nos levar a orgasmos mais potentes”.