Como parte dos esforços para atacar a Globo, a Record fez uma aquisição poderosa: comprou o documentário "Muito Além do Cidadão Kane" ("Beyond Citizen Kane"). A emissora fechou o negócio nesta semana, mas já havia tentado adquirir os direitos de exibição para TV brasileira nos anos 90. Segundo apurou a Folha Online, o material saiu por menos de US$ 20 mil para a emissora do bispo Edir Macedo.
Desde a semana passada, quando Globo e Record começaram a se atracar em rede nacional, o nome da produção voltou à baila. No entanto, quase tudo o que se diz sobre ela --de sua suposta proibição à autoria do trabalho-- é equivocado.
A Record já vinha veiculando trechos do documentário em seus telejornais noturnos antes da aquisição. O filme chegou a ser citado no "Repórter Record" de domingo (16).
Transmitido pela primeira vez em 1993, no Reino Unido, "Muito Além..." mostra o empresário Roberto Marinho (1904-2003) como ícone da concentração da mídia no Brasil --daí a referência a Charles Foster Kane, magnata das comunicações vivido pelo cineasta Orson Welles em "Cidadão Kane" (1941).
Simon Hartog, diretor da obra, morreu em 1992, antes de o trabalho ser exibido. Seu produtor e braço-direito era John Ellis, que se tornou a partir daí o responsável pelo projeto. Ellis deteve, até o começo dessa semana, o direito de exibição do filme em TV aberta no Brasil, agora na mão da Record.
Mesmo legendado de forma capenga, o documentário se transformou num "hit" no país antes da internet ser o que é hoje --ou seja, circulava em VHS. Custou cerca de US$ 260 mil [R$ 445 mil] à extinta empresa Large Door, na qual Hartog e Ellis eram sócios.
A produtora independente fez o longa para o canal britânico Channel 4, responsável por sua transmissão (a BBC nunca teve qualquer ligação com a produção, diferentemente do que a própria Record insiste em divulgar). Curiosidade: uma das maiores audiências do Channel 4 é o "Big Brother", também carro-chefe da Globo.
Bastidores
Em entrevista ao caderno "Mais!" publicada em fevereiro do ano passado, Ellis revelou que tanto Globo quanto Record tentaram comprar os direitos do filme nos anos 90 --a primeira para engavetá-lo, a segunda pare exibi-lo. Ellis disse também que o título nunca foi proibido ou embargado pela Justiça brasileira.
"A igreja [Universal do Reino de Deus] já tinha uma filial em Londres naquela época [começo dos anos 90]. Mas percebeu que haveria uma disputa judicial com a TV Globo a respeito das muitas imagens retiradas da programação deles. Então decidiu não comprá-lo", relatou o produtor.
Agora, a Record pode se concentrar em exibir os trechos "autorais" do filme, ou seja, limar as imagens da TV Globo e focar nos relatos e entrevistas.
Políticos como Leonel Brizola (1922-2004), Antonio Carlos Magalhães (1927-2007) e Luiz Inácio Lula da Silva --apresentado então como líder sindical-- falam sobre a emissora carioca no filme. "Nada se faz [no Brasil] sem consultar o dr. Roberto Marinho. É assustador", diz o cantor Chico Buarque, no início da fita.
Em outro trecho da entrevista à Folha no ano passado, este inédito, Ellis criticou o envolvimento da Iurd com a Record.
"Por que uma igreja deveria gastar seu dinheiro desse modo [em TV] quando há muitos assuntos urgentes que merecem seu dinheiro e atenção? Como eles respondem a isso?", questionou à época.
A Justiça recebeu neste mês denúncia do Ministério Público de São Paulo e abriu ação criminal contra Edir Macedo, fundador da Iurd, e mais nove integrantes da igreja, sob acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Procurada pela reportagem, a Record não confirmou tampouco negou a compra de "Muito Além do Cidadão Kane".
No Google Videos, o documentário está disponível na íntegra desde fevereiro de 2006. Também aparece hospedado no site da Igreja Universal, o ArcaUniversal.com.br.