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Marisa Monte faz shows em Nova York promovendo novos diálogos com o gênero

Depois de quatro dias repassando o repertório num amplo estúdio no quinto andar da instituição, a banda está afiada

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Samba e noise. Rio e Nova York. Paulão Sete Cordas e Ryuichi Sakamoto. Seu Jorge e Arto Lindsay. “A Marisete do quintal e a Marisa do mundo”, como a própria Marisa Monte define, no intervalo do último ensaio para o show “Samba noise”, concebido por ela a convite do Brooklyn Academy of Music (BAM), um dos palcos mais prestigiados de Nova York, e apresentado no último fim de semana. Depois de quatro dias repassando o repertório num amplo estúdio no quinto andar da instituição, a banda está afiada: de um lado, o que a cantora considera um “dream team do samba”, com Paulão, Mauro Diniz, Pretinho da Serrinha e Marcelinho Moreira; do outro, Sakamoto, Lindsay e Robert Lowe, um nova-iorquino de barba pontuda que processa sons eletrônicos ao vivo. Não fosse o tal intervalo, para esperar Seu Jorge e honrar uma imposição de sindicatos locais, tudo corre como se fosse para valer: até a vitrolinha programada para tocar um vinil de Clementina de Jesus entre o último sinal e a entrada dos artistas no palco é acionada para abrir os trabalhos.

   

— Como era um projeto especial para Nova York, uma cidade muito cosmopolita, deu vontade de trazer essa informação tradicional e promover um diálogo entre o samba e artistas de outras culturas, com foco na música atonal, que tem a ver com o mundo contemporâneo que a gente vive — resume Marisa. — Então tem uma mistura de uma coisa muito sofisticada com uma coisa muito pura.

Na noite seguinte, já no palco, usando um longo de Francisco Costa — o brasileiro que comanda o estilo da Calvin Klein — e um adereço de cabeça que foi presente da porta-bandeira Lucinha Nobre, a cantora apresenta suas dicotomias para uma casa que teve, nos dois dias, sexta-feira e sábado, os 2,1 mil lugares ocupados. Acostumada a sair em extensas turnês de discos de carreira a cada quatro anos — a última, baseada no álbum “O que você quer saber de verdade”, terminou no fim de 2013 —, Marisa tem se aventurado no que gosta chamar de “shows de férias”. No ano passado, participou de projetos com Arnaldo Antunes e Gilberto Gil. Em março, fez no Uruguai três noites centradas em seus sucessos, acompanhada por Dadi, Pedro Baby, Marcelo Costa e Pretinho num espetáculo que viaja para o Chile em junho. Mas o show do BAM, ela admite, é especial:

— É um trabalho de criação delicioso.

NELSON CAVAQUINHO E BARULHO

Durante quase duas horas, Marisa desfila sambas clássicos e canções que ganharam uma releitura para se aproximar do gênero. De saída, ela entoa “Vide Gal”, de Carlinhos Brown, e “Esta melodia”, de Bubu da Portela e Jamelão (um hit de seu disco “Cor de rosa e carvão”), seguida apenas pelo violão de sete cordas de Paulão, o cavaquinho de Mauro e a percussão de Pretinho e Moreira. O barulho começa com a entrada de Lindsay — munido de sua guitarra suja e pedais — e Lowe: o próximo set traz “Pode sorrir”, de Nelson Cavaquinho, “Simply are”, de Marisa e Lindsay, e “Pra não contrariar”, de Paulinho da Viola. Com a chegada de Sakamoto, a banda completa mostra “Muito”, de Caetano, e “Rosa”, de Pixinguinha, outro sucesso na voz de Marisa, com direito a um piano inebriante do japonês, que se divide ainda entre teclados e efeitos.

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Próximas paradas: “Gotas de luar”, de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho; “Imitação”, de Batatinha (com Lindsay e Sakamoto em destaque); “Quatro paredes”, de Marisa, Arnaldo e Cézar Mendes; “Dança da solidão”, de Paulinho; e “O ouro e a madeira”, de Ederaldo Gentil, gravada pelos Originais do Samba. A partir daí, os “gringos” se retiram e tem início uma autêntica roda de samba com foco na Velha Guarda da Portela, que a cantora grava e produz desde sempre. É quando Seu Jorge entra em cena, discretamente, reforçando a percussão. Após um medley de “Vai vadiar”, de Monarco, com “Isolado do mundo”, de Candeia, Alcides Lopes e Manacéia – que inspira passinhos dos músicos —, o cantor assume a dianteira para entoar “Retrato em branco e preto”, de Chico Buarque, e “Preço da traição”, de Cabana.

— É um repertório muito orgânico, coisas que a gente gosta de cantar, é um exercício do prazer do canto — comenta Marisa.

Com a volta de Sakamoto, Lindsay e Lowe, Marisa e Jorge cantam a única música inédita do show, “Beleza bárbara”, do carioca Leo Tomassini. É a senha para a reta final, com “Na linha do mar”, mais uma de Paulinho, “Balança pema”, de Jorge Ben Jor, e, finalmente, “Além do horizonte”, de Roberto e Erasmo. O bis é com “Peço a Deus”, de Dida e Dedé da Portela. O show foi filmado, claro, e nada impede que seja apresentado em outros lugares — a não ser, lembram todos, a dificuldade de conciliar as agendas.

ARTISTA COMPARA MÚSICAS COM FLORESTAS

Uma das consequências da era do streaming, a multiplicação dos shows puxa uma conversa sobre o estado da indústria fonográfica. Marisa reconhece que “já houve uma sucateação” e que a classe precisa estar “informada, unida e atuante” no processo que vem estabelecendo os serviços que possibilitam a audição de músicas sem necessidade de download. Mas não deixa de ser otimista.

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— Disco não tem a ver com o mundo do futuro, é muito plástico, muito papel. Só acho que tem que formalizar as coisas, para não canibalizar a indústria criativa. Porque fica insustentável. Para quem é performer, como eu, é possível, mas para o compositor ou produtor fica inviável a profissão. Num país como o Brasil, em que a música é a identidade nacional, é uma questão de soberania nacional, é como acabar com a floresta. Então tem que ser regulamentado, mas não deixa de ser viável — acredita. — O dinheiro existe, está nas mãos dos provedores de acesso, só precisa ser melhor distribuído. Acho que daqui a dez, 15, 20 anos vai estar tudo no lugar de novo. Isso tudo só deu mais poder à música.