"Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.” Quando Nelson Rodrigues afirmou isso, talvez não imaginasse uma criação advinda do interesse, intrínseco no ser humano, por sexo e do seu voyeurismo: as “sex tapes”. Mas, se desde a popularização do VHS, a descoberta e divulgação de fitas de vídeo caseiras de sexo abalaram a carreira de várias celebridades, atualmente, o cenário parece estar mudando.
Hoje em dia, com as câmeras digitais, dos celulares e outros dispositivos móveis, as estrelas pegas no flagra têm seus momentos íntimos expostos na Internet, espalhados na web como um viral, mas não são tão execradas pela mídia como antes.
Em tempos de “selfies” e outras modalidades de alta exposição nas redes sociais, até algumas pessoas ditas “comuns” passaram a mostrar sua própria intimidade em sites de conteúdo pornô.
Mesmo assim, a exibição, realização e até a discussão sobre tal assunto continuam sendo um tabu, por mais democrática e progressista que seja a sociedade em que se vive. Esta é a razão pela qual Annie (Cameron Diaz) e Jay (Jason Segel) correm atrás, tão desesperadamente, da gravação da maratona de sexo que fizeram e acabaram compartilhando, sem querer, para uma rede de amigos conectados via um aplicativo em seus iPads, em “Sex tape – Perdido na nuvem” (2014).
A nova parceria do diretor Jake Kasdan com Cameron Diaz e Jason Segel, de “Professora sem classe” (2011), começa com a agora mãe de dois filhos, Clive (Sebastian Hedges Thomas) e Nell (Giselle Eisenberg), contando, em seu blog para mães, sobre quando conheceu o seu marido.
Ainda jovens e solteiros, os dois faziam sexo em tudo quanto é lugar, sem nenhum pudor em praticá-lo em público, tanto no dormitório da faculdade com a porta aberta como entre as prateleiras da biblioteca, por exemplo. Mas, com a gravidez dela, os dois se casaram e a chegada de uma criança e, depois, mais outra, fez com que o fogo deles fosse arrefecido.
Uma década depois, eles estão presos à rotina; seja Annie à de mãe, dona-de-casa e blogueira, ou Jay à da rádio onde trabalha – como programador, provavelmente.
Em uma noite em que acham uma brecha na agenda e os filhos estão com a avó (Nancy Lenehan), os dois sentem a necessidade de voltar àquele tempo e, regados a tequila, decidem experimentar todas as posições sexuais do livro “A Alegria do Sexo”, escrito pelo Dr. Alex Comfort em 1972, porém, em frente à câmera do iPad dele.
O problema é que, em vez de apagar as três horas de vídeo, Jay presenteia parentes, amigos e até o carteiro com tablets que contêm o vídeo – sim, ele simplesmente dá de presente para as pessoas seus “velhos iPads” recheados de uma extensa biblioteca de música. Eles, então, partem em uma busca dos dispositivos, a fim de apagar seu conteúdo ou destruí-los, contando com a ajuda de outro casal entediado de amigos, Tess (Ellie Kemper) e Robby (Rod Corddry).
Jake Kasdan e o trio de roteiristas formado por Kate Angelo, Nicholas Stoller e o próprio Jason Segel – de “Plano B” (2010), “O Pior trabalho do mundo” (2010) e “Os Muppets” (2011), respectivamente – não conseguem fazer o filme fluir totalmente.
“Sex tape...” sofre de uma indecisão dos seus realizadores se o longa deveria ser uma comédia adulta ou uma farsa familiar, ou se aprofundar na discussão da privacidade, da crescente exposição pessoal e voyeurismo atuais ou ainda explorar humoristicamente a conotação sexual do tema. Poderia ainda ser tudo isso, mas não se conseguiu equilibrar essas abordagens.
Para uma produção com este título, poderia se esperar que se fosse mais longe dentro da temática e no humor ácido. Não que fosse necessário o uso de imagens e linguagens totalmente obscenas.
Mas, após momentos mais pesados, sempre vem algo para amenizar, como uma estranha lição de moral do dono do site YouPorn, interpretado por um conhecido comediante em aparição-surpresa.
Em contrapartida, se poderia investir na vertente do filme-família. Entretanto, o potencial demonstrado pelos atores-mirins nas poucas cenas em que aparecem, especialmente o de Giselle Eisenberg no momento de reflexão filosófica da sua pequena personagem, não é tão explorado.
Do mesmo modo, o lado cômico de uma sucessão de desventuras na busca pelos tablets só alcança outro nível na sequência na casa de Hank Rosenbaum, dono de uma fábrica de brinquedos que deseja fazer uma parceria com o blog de Annie, que poderia ser prejudicada com o vazamento do vídeo.
Por sinal, o magnata interpretado por Rob Lowe dá margem ao ator para fazer piadas sobre todos seus fantasmas do passado, seja a própria divulgação de uma “sex tape” sua com duas garotas em 1988, que afetou significativamente sua carreira, assim como o vício em cocaína e a desastrada apresentação com a Branca de Neve na abertura do Oscar de 1989.
A realidade é que, fora isso, não há a sensação de que o perigo e a humilhação pública estão realmente tão próximos do casal de protagonistas, até porque o roteiro é muito benevolente com seus protagonistas.
Resta ao final a impressão de que o filme é um longo e superproduzido anúncio da Apple, com a profusão de iPads na tela, a repetição da capacidade de sincronização dos dispositivos e a constante reafirmação da durabilidade dos aparelhos. Com a vantagem de que, ainda assim, consegue entreter e levar o público a algumas risadas durante sua exibição.