Depois da longa homenagem que começou às 11h da manhã (horário de Brasília) desta quinta-feira, com a abertura ao público do funeral na Casa Rosada, o corpo do ex-presidente Néstor Kirchner foi enterrado no mausoléu da família no Cemitério Municipal de Río Gallegos, a 2.636 km ao sul de Buenos Aires. A presidente Cristina de Kirchner, viúva de Nestor, esteve acompanhada dos dois filhos do casal, Máximo e Florencia, de familiares, amigos, políticos e autoridades, durante a cerimônia íntima de sepultamento.
Entre os presidentes sul-americanos que estiveram no velório, apenas Hugo Chávez, da Venezuela, participou da cerimônia que terminou por volta das 22h (horário de Brasília).
O trajeto entre o aeroporto e o cemitério, com direito a caravana popular com cerca de 5 mil pessoas, durou mais de 3 horas. O corpo chegou em um voo procedente da capital argentina após o funeral de Estado. Milhares de pessoas acompanharam os cerca de 10 km do cortejo fúnebre entre o Aeroporto Internacional e o cemitério local. No caminho, levavam cartazes transmitindo mensagens de apoio e oferecendo carinho à Cristina Kirchner. As palavras agradeciam a "Lupo", apelido pelo qual os habitantes de Santa Cruz sempre chamaram Kirchner.
Os populares começaram a se estabelecer ao longo do trajeto pouco depois da uma hora da tarde (hora de Brasília). A concentração somente aumentou pela tarde. Todos queriam transmitir uma última mensagem positiva. Muitos agarraram-se ao carro fúnebre que conduzia os restos mortais do estadista. Quando o cortejo se aproximou do cemitério, Cristina desceu em um dado momento do automóvel para pedir à polícia que não empurrasse os cidadãos que se despediam de seu marido. Enquanto isso, membros do gabinete, legisladores governistas, dirigentes de movimentos sociais próximos ao governo e artistas, como o ator Gastón Pauls, esperavam no cemitério.
Néstor Kirchner morreu aos 60 anos na quarta-feira passada na cidade de El Calafate, vítima de ataque cardíaco. Ele será sepultado em um jazigo familiar após a cerimônia íntima.
Buenos Aires
Em Buenos Aires, uma multidão que fez filas de 2 km durante 26 horas de velório, gritava "Voltarás e serás milhões!", entre bandeiras com as cores do país, azul celeste e branco, relembrando a frase histórica de Evita Perón, ao mesmo tempo em que pediam força à viúva, Cristina Kirchner, cuja fortaleza está à prova. Ao fim das honras fúnebres, na capela ardente do Salão dos Patriotas Latino-Americanos da Casa Rosada, a presidente liderou até o Aeroparque um cortejo de veículos, em cuja passagem milhares de pessoas agitavam bandeiras, cantavam, choravam e atiravam flores.
"Néstor não morreu, Néstor não morreu, vive nos corações do nosso povo trabalhador!", cantava a multidão, em um ato político carregado de sentimentos e que, pela concentração de pessoas, reviveu os funerais de Evita, em 1952, e a do três vezes presidente Juan Perón, em 1974. A morte de Kirchner, aos 60 anos, vítima de parada cardíaca, na residência de El Calafate, extremo sul argentino, fez ressurgir a mística peronista, com o desfile de centenas de milhares de homens, mulheres e crianças pelo centro de Buenos Aires e pela Praça de Maio.
A presidente, que além do cônjuge, perdeu o companheiro de militância de toda a vida, recebeu pêsames e a solidariedade também de uma multidão de chefes de Estado, incluindo o ex-presidente espanhol Felipe González. Passaram pela capela ardente os presidentes brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva; da Venezuela, Hugo Chávez; Paraguai, Fernando Lugo; Bolívia, Evo Morales; Equador, Rafael Correa; Chile, Sebastián Piñera; Uruguai, José Mujica, e Colômbia, Juan Manuel Santos.
Incerteza
Ao perder seu maior estrategista, a Argentina vive horas de incerteza, mas o principal artífice político do governo, a central operária CGT, renovou seu apoio, depois que seu líder, Hugo Moyano, afirmou que "depois de Perón e Eva, vem Néstor Kirchner". Mas apesar do luto nacional e do respeito que provoca a morte, os ativistas cantaram sem pausa, de dia e de noite, palavras contra Julio Cobos, que há dois anos passou à oposição sem renunciar à vice-presidência, de onde opera sua candidatura presidencial para 2011.
"Vai embora, Cobos, você é um traidor!", bradia a multidão contra o político da social-democrata União Cívica Radical (UCR), que vota leis contra o governo, quando há paridade no Senado, câmara que ele preside. A presidente se destaca como candidata natural do kirchnerismo para 2011, disse o chanceler Héctor Timerman, mas os analistas consideram que deverá lidar com uma reestruturação de gabinete e uma recomposição de forças. A economia cresceu com força total desde 2003, quando seu marido assumiu, a um ritmo de 8% ao ano, com exceção da recessão forçada pela especulação financeira mundial em 2009, embora o país arraste uma inflação de 25% ao ano, não reconhecida pelo governo.
Era Kirchner
Néstor Kirchner chegou ao poder como emergente da pior crise da história, devido ao colapso da economia, após o neoliberalismo implantado entre 1989 e 2001 pelos presidentes Carlos Menem e Fernando de la Rúa. De seu governo, entre 2003 e 2007, se destacam a reforma da Suprema Corte, com juristas de prestígio, os julgamentos por crimes da ditadura (1976-1983), a estatização dos fundos privados de aposentadoria na crise, o cancelamento da dívida com o FMI e o ajuste quase total da dívida em "default".
Em troca, foi criticado por manipular os índices de inflação e por traços autoritários, que despertaram ódios na esquerda e na direita, inclusive em setores peronistas, além do confronto com as corporações da mídia. Irascível e temperamental, enfrentou a Igreja Católica e os patrões dos agricultores, que combateram sua esposa com a maior greve da história do campo em protesto contra impostos sobre as exportações.