POR RICARDO KOTSCHO
Só falta marcar a data da morte, aos 119 anos, do símbolo da imprensa brasileira.
Ainda esta semana, Nelson Tanure, o atual dono da marca, vai anunciar o dia em que deixará de circular o Jornal do Brasil, um dos mais antigos, revolucionários e respeitados veículos já publicados no país. Fosse uma pessoa, era o caso de dizer como antigamente: trata-se de uma perda irreparável.
O necrológio já havia sido muito bem escrito pelo colega Carlos Brickmann, semana passada, em sua coluna no Observatório da Imprensa. Agora, quem anunciou oficialmente o desenlace, em sua edição desta terça-feira, por ironia do destino, foi justamente O Globo, outrora principal concorrente do Jornal do Brasil.
Trabalhei por três temporadas no JB, primeiro como seu correspondente na Europa, na década de 1970, e depois na sucursal paulsita, nos anos 80/90.
Para se ter uma idéia da fôrça e do prestígio deste jornal, quando fui contratado por Dorrit Harazim para ser seu correspondente na então Alemanha Ocidental, ela me alertou para a responsabilidade: ?Você vai ser um dos nossos embaixadores na Europa?.
No elegante restaurante da diretoria, onde fui convidado a almoçar para ser apresentado aos meus novos chefes, estava todo mundo de terno e havia tantos copos e talheres à minha frente que não sabia nem por onde começar _ ainda mais depois da advertência da Dorrit, a chefe dos correspondente internacionais do jornal.
De roupa esporte, me senti um verdadeiro caipira sentado à mesa da rainha da Inglaterra. Meses depois, participaria com Dorrit de uma reunião dos correspondentes do JB na Europa, mais de dez na época, convocada para um grande hotel de Paris _ vejam que chique?
O JB nesta época ainda reunia a seleção brasileira da imprensa. Não havia limite de despesas para se fazer uma reportagem. O grande sonho de todo jornalista era trabalhar lá um dia. Tinha vários craques em cada editoria, e ouso afirmar que nunca mais se montou uma redação daquela qualidade.
Não vou me meter a elencar os nomes, como fez o robusto Carlinhos em sua coluna, ?O circo da notícia?, porque eram tantas as estrelas que não vou me lembrar de todos os mestres com quem convivi. Basta lembrar, por exemplo, que fui colega de Walter Fontoura, Elio Gaspari e Zuenir Ventura.
O que mais me fascinava no Jornal do Brasil era o ameno ambiente de trabalho e a absoluta independência editorial. Para se ter uma idéia, a dona era uma condessa, a condessa Pereira Carneiro, e o diretor, um lorde, o seu genro Nascimento Brito.
Nunca os vi de perto e jamais recebi uma ?ordem da diretoria? para fazer ou deixar de fazer determinada matéria. Mais tarde, as coisas mudariam, e o jornal entraria numa crise financeira e editorias que o levaria à decadência até ser arrendado para o empresário Nelson Tanure, em 2001. Começava ali a sua agonia. Em 2009, Tanure já havia levado à morte outro grande jornal, a Gazeta Mercantil.
Teria mil histórias a contar sobre o meu trabalho no JB, que não cabem num blog, mas podem ser encontradas no meu livro de memórias ?Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter?, da Companhia das Letras.
Ao ver a notícia do falecimento esta manhã, fiquei muito triste. Foi como se estivessem apagando da paisagem e levando embora para sempre o lugar onde passei a melhor fase da minha já longa vida profissional.
Restavam lá trabalhando apenas 60 jornalistas, a circulação vinha minguando abaixo dos 20 mil exemplares, o jornal já tinha encolhido de tamanho e muitos dos seus antigos craques hoje podem ser encontrados nas páginas de O Globo. A imprensa brasileira deveria decretar três dias de luto.