Por: Marcelino Barroso de Carvalho
Foto no corpo da matéria: Beco da Bolinagem
A Igreja Católica celebra o Dia de Pentecostes no 50º dia depois da Páscoa, uma das mais importantes festas móveis do calendário litúrgico, também chamada Festa do Divino. Em várias partes do mundo, as comemorações são feitas com grande pompa e manifestações populares, antecedidas de peregrinações ou peditórios destinados a arrecadar recursos para o grande dia.
A Festa do Divino tem sua origem atribuída a uma promessa feita, ainda no Século XIV, pela rainha D. Isabel, de Aragão, casada com o rei D. Dinis, de Portugal, ao invocar o Espírito Santo em favor da pacificação dos conflitos familiares que punham em risco a própria unidade do reino. Com o tempo, espalhou-se pelas colônias portuguesas e pelo mundo ibérico, e, atualmente, pode considerar-se como uma festa universal das mais ricas em simbologia. Até mesmo os países da América do Norte incorporaram essa secular tradição, realizando cortejos e solenidades com extraordinária afluência popular.
Em todo o Brasil, variadas são as manifestações religiosas alusivas ao Dia de Pentecostes, especialmente nos Estados do Maranhão, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Goiás/Tocantins, Minas Gerais e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Em vários Estados, autoridades e outras personalidades costumam prestigiar a Festa do Divino, inclusive participando do Cortejo Imperial.
Comenta-se que, em Santa Catarina e no Maranhão, o esplendor da Festa do Divino deve-se à força que lhe emprestavam os colonos açorianos, reproduzindo os elementos e personagens da cerimônia com que, sob influência da Rainha Santa, os membros da realeza (imperador, imperatriz, alferes, capitães, damas e pajens) passaram, anualmente, a entregar suas insígnias numa igreja, em penhor de agradecimento pelas graças alcançadas. Acredita-se que o título de Imperador, atribuído por José Bonifácio de Andrada aos monarcas do Brasil, decorra da força simbólica alcançada pelos personagens da Festa do Divino.[1]
No Piauí, sabe-se que algumas cidades, como Valença, Simplício Mendes e Amarante, mantiveram, por longos anos, a tradição de verdadeiras ?desobrigas? masculinas à cata de esmolas. Um grupo de homens percorria os povoados, carregando os símbolos do Divino (pomba e bandeira), em peditórios com cantoria de caixa e rabeca. Em Oeiras (antiga Capital), destaca-se o envolvimento de pessoas abastadas, que distribuem grandes quantidades de carne para os pobres.
Noé Mendes de Oliveira designa esses cortejos como ?Bandeiras do Divino?[2], enquanto que, pelo Brasil afora, são chamados ?Divindade? (v.g., Maranhão) ou ?Folia do Divino? (v.g., Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Folia do Divino, segundo Edison Carneiro[3], ?era o bando precatório que, em contínuas andanças, durante muitos dias, pela freguesia, angariava as espórtulas dos fiéis para a festa de largo?.
No Hino de Amarante (letra de Mons. Isaac José Vilarinho e música do maestro Luís Santos), cunha-se a denominação ?Tambor do Divino?. A população amarantina, entretanto, chamava a esses grupos simplesmente ?Divino?, ou ?Divino de Seu Manoel Paulo?, como ainda hoje se diz, com os remanescentes: ?Divino de Seu Odilon? (povoado Conceição), ?Divino de Seu Airton? (povoado Periperi), ?Divino de Dona Maria Peruca? (bairro Escalvado), ?Divino de Seu Eduardo? (povoado Sussuapara, em São Francisco do Maranhão), dentre outros.
Os ?Divinos? mais lembrados de Amarante são o de Seu Manoel Paulo e o de Seu Agostinho Felipe[4], chefes de gerações de ?divineiros?, como Benedito França (também ?tocador? e filho de Agostinho Felipe), Do Carmo (cantador), Gonçalo Basílio e seu filho Júlio Basílio (rabequeiros).
Nos bairros e povoados de Amarante e São Francisco do Maranhão, outras linhagens de devotos podem ser lembradas nas pessoas dos cantadores e caixeiros Zeca Tatuzinho e Manoel do Basílio, do artesão e rabequeiro Manoel do Barcelos, ou dos violeiros Seu Domingos e Eliseu, este último filho de Seu Eduardo.
Algumas mulheres, por vezes, também integram as cantorias. As mais conhecidas, atualmente, são Dona Maria e Dona Da Guia, muito requisitadas para acompanhar diversos cantadores, geralmente como ?segundeiras? (segunda voz).
Em Amarante, a Festa se caracterizou também, desde o início do Século XX (há registros de 1907)[5], como encargo de famílias de operários. A descendência de uma dessas famílias tem garantido a continuidade da ?promessa?, mas, nos últimos anos, a Festa ganhou expressão e vem atraindo pessoas de várias localidades, especialmente pela beleza plástica da Procissão das Insígnias (Cortejo Imperial), antes da Missa Solene, com acompanhamento de Banda e de representações das diversas associações e movimentos religiosos da Paróquia.
O Tríduo do Divino, que era realizado em ambiente doméstico e em círculo restrito às pessoas mais próximas, passou a desenvolver-se com uma procissão luminosa, em cujo trajeto é recitada a Coroa do Divino (devoção originária de uma exortação do Papa Leão XIII), com paradas estratégicas em algumas residências, até se completarem os Sete Mistérios. Escolhem-se três responsáveis, em cujas residências se dá o pernoite da Pomba e da Bandeira, cada uma ficando responsável pelo cortejo do dia seguinte. A partir de 2011, o Pe. Tertuliano Alves mandou incluir na programação a Missa da Vigília de Pentecostes, encerrando a terceira noite do Tríduo, no Beco de D. Dedé. No quarto e último dia, o Terço de Encerramento da Festa reúne muitas famílias da Vila Nova e de outros bairros da cidade, após o que, ao estilo dos ?bodos? açorianos, distribuem-se bolo, café e chocolate quente.
Desde o início dos anos 1940 até sua morte, em 1984, Josefa Pereira de Araújo (D. Dedé), desdobrou-se para dar continuidade à Festa do Divino e emprestar-lhe feição de festa para os pobres. Pouco antes de falecer, pediu aos atuais festeiros que não deixassem o povo da Vila Nova esquecer essa devoção, que atesta a importância da preservação das tradições da cidade e da valorização das manifestações religiosas de seu povo.
A Festa do Divino de Amarante, diferentemente das de Oeiras ou Valença, tem permanecido com a mesma família, mas outras pessoas e até grupos da comunidade passaram a colaborar com maior interesse da organização, nos últimos anos. Assim, entre esses voluntários, crianças, jovens e adultos passaram a postular maior participação como figurantes, nos cortejos e solenidades, além de assumirem outros encargos artísticos ou operacionais. São exemplos desse importante apoio: rabequeiros, percussionistas (caixeiros), cantadores (repentistas), tecladistas, decoradoras, cozinheiras, técnicos de som, operários de diversas áreas e a Equipe de Liturgia, além do Coro da Matriz de São Gonçalo e das Bandas de Música SALCRI e Nova Euterpe, grupos regidos pelo maestro Wilson Ferreira Lima.
Há vários anos, o tenor Aislan Leal tem participado da Missa Solene de Pentecostes, entoando a Sequência. Em 2011, esse momento foi abrilhantado, também, pelo Grupo Kimika in Trio, de Teresina. Na mesma ocasião, foi lançado o Hino do Divino de Amarante (letra de Ana Cândida Nunes Carvalho e música de Aurélio Melo), executado pelo Coral Laetitia et Spes, do Instituto Camillo Filho, e por um Quarteto de Cordas da Orquestra Sinfônica de Teresina. Vários concertos têm sido incluídos na programação, nos últimos anos, destacando-se os da Orquestra Sinfônica de Teresina (2010) e do Coral Laetitia et Spes (2011).
Outros artistas têm tido, também, participação esporádica (como Vagner Ribeiro, Mestre Pedro da Rabeca, Luciano Klaus e James Brito), tanto nos atos litúrgicos quanto na tradicional Serenata do Prof. Melquíades Barroso, que se desenvolve na noite da sexta-feira (segundo dia do Tríduo). Em 2012, na Missa Solene, a Festa terá a participação especial do tenor Aislan Leal e do Madrigal Vox Populi, de Teresina, sob regência do maestro Luciano Klaus.